Giovani José da Silva
Último artigo do ano para a inconstante coluna Histórias de admirar, o 138.º desde que comecei a aventura de escrever para O Pantaneiro, em 2013! Já tratei de diversos assuntos, ora expondo-me (mais do que deveria, segundo alguns...), ora esbravejando contra aquilo que considero “fora do lugar”. Hoje, 28 de dezembro de 2019, resolvi escrever sobre... perdas e de como eu as coleciono desde a infância! Sim, caros leitores, sou um colecionador de perdas. No próximo ano se completarão 44 anos de ausência física (sentida, doída, chorada) de meu pai e desde aquele 25 de março de 1976 (literalmente) sinto que perdi meu chão, meu esteio, além do olhar de quem poderia me dizer “Está tudo bem, filho! Estou aqui ao seu lado”. Perdemos casa, carro e uma vida de classe média paulistana para nos embrenharmos no Mato (Grosso). Eu e minhas irmãs, além de minha mãe, sentimos na pele e na alma o desprezo daqueles que deveriam (deveriam mesmo?) nos estender as mãos e nos dizer “Está tudo bem! Estamos aqui ao lado de vocês”. Éramos cinco e nos tornamos seis com o nascimento (e a morte) do primeiro sobrinho, Diego Luís, em 1983, uma criança que passou por nossas vidas como uma estrela cadente que risca o céu noturno e não nos dá tempo de fazer sequer um pedido. Por falar nisso, pedidos para 2020? Que não percamos as esperanças, nem a coragem e muito menos a ousadia/ o atrevimento de denunciar o malfeito, de primar pelo bom e pelo honesto, sempre, sem desculpas esfarrapadas/ esgarçadas pela preguiça, pela má vontade e pela alienação. Quem pede isso é alguém acostumado a perder: pai, pais postiços (Arnaldo e Aliano), avó e avôs de coração (Durila, Domingos, Nazário, Daniel Vicente), amigos jovens (Jussara e Roney) e outros nem tão jovens... Assim como Cazuza, em “Boas Novas”, eu também vi a cara da morte inúmeras vezes desde pequeno e lhes digo, sim, ela estava viva! Além de muito viva, ria discretamente de minha condição humana, demasiadamente humana, que nunca me permitiu lidar com perdas de maneira racional e coerente: afinal, todos nós que vivemos sabemos que um dia será o da partida. Contudo... Bem, contudo, não coleciono apenas perdas por falecimento. Há aquelas (quase) irreparáveis, quando uma amizade se dissolve em rio caudaloso de ressentimentos, mágoas e outros quiçás... 2019 e os últimos anos foram pródigos nesse tipo de perda. É difícil superá-las, especialmente quando a decisão de deixarmos o Outro – para trás, de lado, fora, distante – parte daquele(a) a quem amamos. Não sou um homem de muitos amigos, nunca fui! Na infância (roubada), livros e filmes eram os meus melhores companheiros e eu não gostava muito de estar em meio a primos/ primas ou coleguinhas de escola. Cresci e fui me aproximando de algumas pessoas por meio do Teatro, tanto na escola de Educação Básica como na Universidade. Foi uma época boa de abertura para o Outro e que se transformou em bonita lembrança de um tempo em que éramos jovens e achávamos que éramos eternos, pois tínhamos todo o tempo do mundo. Entretanto, o tempo e a distância, contradizendo a canção de Fernando Brant e Milton Nascimento, parecem dizer “não” a um reencontro e temo que a próxima vez que nos reunirmos será para a despedida de mais um de nós... Recentemente, uma (grande) amiga me disse que ao envelhecermos, chegamos a uma fase da vida em que colecionamos perdas (e danos e ganhos). Eu diria que já faço isso desde pequeno, mas confesso que ainda não me acostumei: sinto falta de meu pai se fazendo de cavalinho alazão para mim, seu fiel escudeiro errante; me pego imaginando Durila chegando à porta da sala de aula na aldeia Kadiwéu e me pedindo água, além de uma boa prosa; desejo (às vezes desesperadamente) retornar à Aquidauana, Nioaque ou Corumbá e ali (re)encontrar aqueles que sempre me diziam “Está tudo bem Giovani/ professor/ mestre/ “preto”! Estou aqui ao seu lado”. As vozes de meus “perdidos” ainda ecoam em minhas mais doces lembranças, insistindo para que eu não me perca em meio aos espinhosos caminhos da vida e que guarde com zelo seus ensinamentos, honrando suas memórias!
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