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Raquel Anderson

Domingo pantaneiro!

A brasa do fogão à lenha não estava morta
Brasa de lenha de angico é feito brasa da gente, teima em não apagar, têm tição, uma quentura que queima, um vermelhão pronto para reacender, basta um estímulo, um sopro, um gesto, uma abanada, como é o aceno, permissivo, convidativo, faz nascer labareda libidinosa.
Domingo pantaneiro é diferente de tudo que existe, tudo é mais silente, tudo é reverenciado, respeitado, os rituais são extremamente alterados...
A natureza, em comunhão com homens, mulheres e crianças, homens, mulheres e crianças em comunhão com a natuteza tornam-se mais contemplativos, ainda mais calmos e a palavra santuário faz jus e faz verdadeiro sentido ao dia de domingo.
No sapicuá amassadinho, no fundo do baú, estavam guardadas, como jóias, as pilhas da vitrolinha, presente da patroa.
Rituais específicos do dia de domingo são realizados com muitas delicadezas no cenário pantaneiro. Maria Rute só têm três discos de vinil, que são economizados, pois,  há domingo em que ela só ouve um disco, para economizar pilhas, canções e memórias.
A escassez nos faz valorizarmos o muito que há no pouco, a escassez é reinventiva, criativa, propõe sonhos, pausas, pensamentos...
Maria Rute preparou-se para ouvir Jogo de Damas, de Roberto Carlos:
"Eu sei da sua vida e do seu passado
De um tempo perdido, irrecuperado
Eu sei da poeira
De todos os seus passos
Das suas trapaças, dos seus abraços.
Eu sei da sua fama e dos seus amores
Das suas proezas,
Dos seus dissabores
Da cor da sua roupa,
Do seu pouco valor
Você nessa vida foi só desamor
Dama, hoje alguém que te engana
Te veste de santa
Não sabe porque
Te pisam, te xingam
Ignoram a mulher
Não sabem que a dama
Existiu outro dia
Hoje a dama não passa
De pedra perdida
Hoje é pedra perdida
De um jogo qualquer."
Maria Rute saboreia as palavras, a música, mastiga os sentimentos, rumina as sensações, regurgita as decepções...
O sabiá-laranjeira atravessou a canção, pousou no arvoredo e cagou, uma bostinha branca, molhadinha,na "pedra perdida de um jogo qualquer", bem no final da canção...
Maria Rute riu, como riem as mulheres, muitas vezes, com seus sofrimentos, angústias e silênciso eloquentes...
A brasa está viva, no fogão, no tesão, no peito de quem sabe degustar emoções.

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