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Giovani José da Silva

HISTÓRIAS DE ADMIRAR: INSENSATEZ

“Ah, insensatez que você fez/ Coração mais sem cuidado...”. Inicio o texto dessa semana, depois de uma longa pausa de escrita para a coluna, com um trecho da letra de Insensatez, de Vinícius de Moraes e Tom Jobim. Não caros leitores, não estou aqui para chamar ninguém de insensato (além de mim mesmo, é claro!) e nem para defender este(a) ou aquele(a) candidato(a) à presidência da República. Desejo, antes, fazer um convite à reflexão sobre a situação em que vivemos, todos nós brasileiros e brasileiras, para que cada um possa chegar às suas próprias conclusões. Este, afinal, não é o princípio de uma pedagogia/ educação que promova a autonomia de pensamento e de ação? Tenho visto e ouvido por todos os cantos, defesas (algumas quase) intransigentes desta ou daquela candidatura, ataques e contra-ataques e fico a me perguntar se, de fato, os problemas se resolverão magicamente com as eleições de outubro. Somos, historicamente, uma sociedade racista, excludente, em que uma camada aristocrática e elitista domina os poderes constituídos desde os tempos coloniais. Assim nos fizemos como nação. Entender como chegamos ao ponto em que estamos me parece um importante exercício de inflexão sobre os rumos que tomamos. Não vejo como produtivo e interessante a troca de farpas, as ironias, quando não as palavras de baixo calão trocadas entre grupos que não se percebem estar no mesmo barco. E olhem que esse barco/ navio está fazendo água há muito tempo! Não, nossos problemas não começaram com o golpe que militares e civis deram em 1964 na frágil democracia brasileira, nem tampouco com o golpe que colocou no poder o marechal Deodoro da Fonseca, em 1889, dando início à República. Estamos há apenas 130 anos da abolição da escravatura de africanos e de seus descendentes e há 30 anos da promulgação de nossa última Constituição, a primeira a reconhecer plenamente direitos das populações indígenas e de outros grupos até então obliterados. Dessa forma, fica para mim a seguinte pergunta, dentre outras tantas: como esperar que nós, brasileiros e brasileiras, “acostumados” a viver em meio às injustiças, aos preconceitos, às discriminações, às exclusões, possamos, de uma hora para outra, “tomar consciência” de nossas mazelas que perduram por séculos? Nós, que nos “acostumamos” a soluções autoritárias, ao longo do tempo, que vivemos uma cultura “sebastianista”, herdada dos portugueses, em que esperamos, tal como a mística propagada em Portugal logo após o desaparecimento de D. Sebastião (1554-1578), de que haverá o “retorno” ou a ascensão do rei, para levar o país a outros apogeus de glórias e conquistas? Pobres de nós, insensatos e divididos em torcidas, pouco ou nada dispostos ao diálogo, cheios de razão e com pouca sensibilidade para aprendermos com as lições do passado. Afinal, não podemos perder tempo com “antas”, “ignorantes”, “gentes que não querem escutar” (e será que nós queremos?), “fanáticos”, etc., não é mesmo? Sou professor de História há quase 25 anos e penso o quanto falhei terrivelmente quando vejo ex-alunos e ex-alunas, indígenas inclusive, defendendo ideias e ações autoritárias. Tento compreendê-los antes de ofendê-los e não os excluo de meu círculo de amizades, seja real ou virtual. Embora não concorde com suas escolhas, tento enxergar o que os leva a pensar e agir dessa e não de outra maneira. Não posso perdê-los (mais uma vez) e tampouco fechar meus olhos e ouvidos para os significados dessas escolhas. Quando vejo parentes e amigos próximos em defesas intransigentes, seja à esquerda, ao centro ou à direita, sem argumentos, apenas com respostas prontas e fáceis, fico pensando o quanto falhei também em não dialogar mais com eles, não para lhes “doutrinar” ou fazê-los “enxergar o óbvio”, mas como um exercício saudável de criação de uma comunidade argumentativa e, também (por que não?), afetiva. Nesse barco ou navio dos insensatos, as soluções deverão ser construídas em conjunto, por toda a sociedade, sem “D. Sebastião” que nos salve, sem que tenhamos que extinguir (ao invés de nos esforçar para conviver com) nossas diferenças. Nossas aulas de História nas escolas precisam urgentemente ser revistas, pois ensinar “conteúdos” não basta! Precisamos ensinar a ler (um texto, o mundo que nos cerca), a explorar, a compreender, a interpretar e a criticar, fazendo comparações, analogias, construindo argumentos, justificativas, unindo razão e sensibilidade, descolonizando nossos saberes e fazeres. Afinal, “Usa só sinceridade/ [Pois] Quem semeia vento, diz a razão/ Colhe sempre tempestade”...

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