Giovani José da Silva
Estou há quase dois meses sem escrever para a coluna, não por falta de tempo, mas por absoluta preguiça de insistir em tocar em um tema que não aparece com frequência nos debates públicos: a Educação Básica. O que fizemos com ela? O que fazemos com crianças, adolescentes, jovens e adultos que têm o direito a aprender o básico? O que faremos com a Educação de nosso país? Passado mais um 7 de setembro, cercado por protestos e ovações, dependendo do espectro político em que os manifestantes se encontrem, me pergunto quando, afinal, nos preocuparemos com o essencial, o básico. Conseguimos vencer o analfabetismo? Derrotamos o analfabetismo funcional de milhões de gentes que deixam as escolas e não sabem ler, escrever, contar, refletir sobre o mundo? Em um momento em que se fala tanto dos cortes no Ensino Superior (tratados pelo eufemismo de “contingenciamento”), sei que me referir à Educação Básica parece uma conversa sem pé e nem cabeça. E quando falaremos disso? Nas próximas eleições presidenciais? Estou longe de aferir padrões educacionais por meio de provas, testes, Enem ou seja lá o que for utilizado para “avaliar” o desempenho de estudantes Brasil afora. Falo de uma vivência cotidiana, aqui da capital do Amapá, Macapá, situada no meio do mundo. Todos os dias, dentro e fora das escolas (onde sempre estou presente, por meio de estágios, visitas ou mesmo conversando com alunos e ex-alunos do Curso de Licenciatura em História da Unifap), encontro gentes que mal sabem assinar o próprio nome, decifrar os números e/ ou as letras em ônibus/ placas, que utilizam a língua portuguesa oralmente com dificuldade de compreensão até para quem é daqui! Não, caros leitores, eu não estou “culpando” professores, muito menos os de Língua Portuguesa, pela situação caótica em que nos encontramos na Educação Básica. O que procuro fazer aqui em minha coluna (que deveria se chamar Histórias impertinentes de admirar) é alertar para o fato de que enquanto clamamos por bolsas de pós-graduação (sempre necessárias) e por mais verbas para as universidades, as escolas de Educação Básica – do Oiapoque ao Chuí – carecem do... básico! O que vemos nelas, muitas vezes, é uma preocupação excessiva com “rituais” pedagógicos como o 7 de setembro – o 19 de abril, o 13 de maio, o 15 de novembro e outros tantos – e não nos preocupamos com o que se veicula em tais “rituais”. Lá estão os heróis da nação, os que nos salvaram/ libertaram, as sentidas ausências de mulheres, crianças e idosos em nossa História, transformada em um “desfile” de exaltação de figuras como Tiradentes, Dom Pedro I e Deodoro da Fonseca, dentre outros homens adultos, cristãos, brancos. Lá estão, também, a competitividade (quem foi o mais bonito? O mais organizado? Quem é o mais inteligente?), a disciplina rígida dos corpos, a ausência de Arte e a forte presença de pastiches, de malfeitos, com estudantes educados a obedecer a ordens, sem questioná-las. Muitos deles sairão do Ensino Médio (quando saírem) sem gostar de ler, sem saber falar adequadamente em público, sem compreender o que decodificam, sem saber fazer interpretações e, nem mesmo, apreciações. Faltam-lhes as ferramentas/ os instrumentos para a exploração, a compreensão, a interpretação, a fim de formularem percepções próprias, autônomas de tudo o que os cercam (e cerceiam, muitas vezes). Sim, queremos “cidadãos críticos”, mas não nos damos conta de que não sabemos exatamente nem o que é ser “cidadão” e muito menos o que é ser “crítico”. Educamos para o consumo excessivo (e não para uma reflexão contundente sobre o consumismo), para que os alunos compreendam que depois de comunismo primitivo, escravismo e feudalismo, o capitalismo chegou com tudo e venceu! Nossos currículos de História narram a vitória do capitalismo sobre todas as outras formas de organização econômica/ política/ social... As gentes que frequentam as escolas que se conformem, pois é o que tivemos para ontem e o que temos para hoje. Amanhã? Amanhã, segunda-feira, as escolas brasileiras de Educação Básica retornarão a suas rotinas canhestras, pensando na próxima comemoração, no próximo “ritual” a ser oferecido às massas que não sabem ler o próprio mundo em que vivem e dificilmente saberão escrever e se inscrever nele...
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