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Giovani José da Silva

HISTÓRIAS DE ADMIRAR: PELAS ESTRADAS DA VIDA (E DE MATO GROSSO DO SUL)

              Estive nos últimos 15 dias viajando por Mato Grosso do Sul, vindo de São Paulo. Passei por Três Lagoas, Água Clara, Ribas do Rio Pardo, Campo Grande, Terenos, Anastácio, Aquidauana, Miranda, Bodoquena, Porto Murtinho, Nioaque, Guia Lopes da Laguna, Jardim, Bela Vista, Caracol, Antônio João, Ponta Porã, Amambai, Caarapó, Dourados, Douradina, Rio Brilhante, Nova Alvorada do Sul. O motivo? Estar entre os indígenas Kadiwéu, localizados no município de Porto Murtinho, a fim de verificar a tradução de um documento jesuítico do século XVIII, além de dar continuidade às atividades do Cursinho Pré-Vestibular/ ENEM, iniciadas no ano passado. Foram dias de muitas emoções, de rever amigos e alunos/ ex-alunos, sentir o gosto saboroso do ensino e da aprendizagem, apesar do calor e do cansaço. Os Kadiwéu abriram sua aldeia principal a mim e à minha equipe, dividindo conosco momentos de intenso compartilhar de saberes. Depois de termos passado alguns dias entre eles, foi a vez de visitar os Atikum, atualmente em Nioaque, conhecidos como “os índios negros de Mato Grosso do Sul”. As viagens feitas em carro revelaram aos nossos olhos (aos meus e aos do amigo/ motorista Claudio) um Estado ainda com poucas cidades, com muitos pastos e cercas, de gentes morando em beiras de estrada... Entrar em aldeias indígenas, com o consentimento das lideranças e das comunidades, significa adentrar em outros mundos, criados/ recriados pelas pautas culturais nativas, distintas das nossas! Quem pensa que os indígenas – sejam eles Atikum, Ayoreo, Chamacoco, Guarani-Kayowá, Guarani-Ñandeva, Guató, Kadiwéu, Kamba, Kinikinau, Ofayé ou Terena – deixaram de ser quem são, depois de mais de quinhentos anos de contatos, está (“quadradamente”) enganado! Muitos ainda falam seus idiomas próprios, outros recriaram a língua portuguesa e há aqueles que agem com tenacidade para não deixarem seus falares originais desaparecem para sempre... Tradições são revistas e revisitadas, algumas abandonadas, outras tantas retomadas, recebendo novos significados e sentidos. Os Kadiwéu lutam bravamente para reaver parte de suas terras, enquanto os Atikum esperam que a justiça seja, finalmente, feita e eles possam “voltar” para casa. Saí de Mato Grosso do Sul há quase cinco anos, mas acredito que as paisagens e gentes sul-mato-grossenses jamais deixaram meu coração e meus pensamentos/ sentimentos. Cada vez que retorno ao Estado me sinto novamente aquele menino que vinha para cá pelas linhas do trem da Noroeste do Brasil, com sua pequena família, encantado pelos cheiros, cores, mistérios do Cerrado e do Pantanal! Eu tinha, então, cinco anos de idade e não poderia imaginar que quarenta anos depois estaria a escrever para um jornal minhas “histórias de admirar”. Fui mais do que professor, fui e sou aluno dos indígenas, aprendiz de como contar boas histórias, de como modular a minha voz para narrar maravilhas, de como usar a escrita para (re)encantar os que me ouvem/ leem. Foi assim, também, em Amambai, onde estive diante de olhos Guarani e Kayowá curiosos pelas minhas histórias. Tenho em mim, retidos em minhas retinas e memórias, imagens e sons, cheiros e sabores, texturas das cousas que encontrei pelas estradas de Mato Grosso do Sul. Aqui me fiz quem sou, feito/ refeito em orações, fé, esperanças. As “perdas” foram inevitáveis, mas os “ganhos” me transformaram em um homem de robustez ética e de intenso compromisso social com aqueles sobre quem pesquisei/ pesquiso, nem tão franzino e nem tão magricela como já fui um dia. Pelas estradas da vida sei que não vou sozinho: ao meu lado estarão, sempre, aqueles de quem nunca me esqueço, já que aprendi que alguém somente morre quando não houver mais lembranças. Seja a pé ou de carro, em trem ou bicicleta, todos os caminhos me levam a um encontro/ reencontro com minhas raízes, com o que sou e serei, um andarilho errante, um caminhante peregrino, um semeador/ contador de histórias...

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