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Giovani José da Silva

HISTÓRIAS DE ADMIRAR: TEMPOS DIFÍCEIS (PARTE 2)

É interessante notar como chegamos à situação em que estamos e o que ouço com frequência à minha volta é que a culpa por tudo o que aí está deve ser creditada a vários “vilões”: do “povo que não sabe votar” aos “governantes patifes onipresentes em todas as esferas de poder”, sem contar no “super” vilão de todos, o “sistema”! Fico pensando como nos falta (sim, eu me refiro a mim também...) autocrítica e, mais do que isso, bom senso para enfrentarmos nossas próprias mazelas e as mazelas sociais de muito tempo. A escola pública é de péssima qualidade? Mais fácil dizer que os políticos não querem cabeças pensantes e por isso não investem em Educação. Nenhuma palavra, por exemplo, sobre o abismo que separa as universidades/ faculdades – que formam professores – e a Educação Básica. Para quê tocarmos em assuntos tão “delicados” quanto o eurocentrismo e o racismo presentes em currículos e em materiais didáticos, não é mesmo? O Brasil é sabidamente um país racista, mas não se ouve aqui e ali um debate sério (eu disse debate sério, não postagem de Facebook que gera discussões intermináveis e inócuas) sobre como nos tornamos o que (ainda) somos: racistas, misóginos, homofóbicos, machistas, etc. Já estou ouvindo vozes se levantando contra meu texto (e o autor, é claro!), dizendo em alto e bom som: – Eu, não! Eu não sou nada disso, Giovani! Pois é, cara-pálida, o problema talvez esteja justamente aí: quando pessoas que estudaram (ou não), que venceram barreiras impostas pela enorme desigualdade social, que conseguem fazer pelo menos três refeições diárias, começam a se excluir da “muvuca”, com um sonoro “Eu faço a minha parte”, ou “Eu não jogo lixo no chão”, ou, ainda, “Eu respeito os indígenas” e por aí vai, fica muito difícil pensarmos em ações coletivas que gerem mudanças profundas. Para todos. E não apenas para os que afirmam que fazem tudo corretamente e se queixam dos “coxinhas”, dos “petralhas”, dos “petistas”, dos “tucanos”, dos “terroristas”, etc. Estamos no mesmo barco (furado?), imobilizados muitas vezes pelo comodismo, pelo individualismo, pela preguiça, pela vaidade e pelo que mais você quiser, caro leitor. – Nossa, que pessimismo! Talvez seja realmente pessimismo, mas creio que seja mais estranheza mesmo, por ouvir tanta gente dizendo que faz a sua parte, que age com ética e correção, que jamais seria capaz de fazer algo inescrupuloso... Será? Sou professor há mais de 25 anos e não entendo porque chegamos onde chegamos se para todos a quem eu pergunto – da professora de Educação Infantil de uma escola rural de um município do Pantanal de Mato Grosso do Sul ao professor pós-doutor, formado no exterior, docente em universidade pública federal no Norte do país – ouço sempre a mesma resposta: aqui fazemos o melhor, fazemos a nossa parte, contribuímos para a melhoria da Educação do país. Desculpem se a pergunta é incômoda: – Mas, então, por que não melhora? Por que nossas/ nossos crianças, adolescentes e jovens saem, invariavelmente sem saber ler e escrever bem do Ensino Médio, engrossando as fileiras de desempregados e subempregados, tornando-se, no mais das vezes, tristes estatísticas em estudos sobre violência e outros? Ah sim, lembrei, deve ser culpa do “sistema”, do “povo que não sabe votar” ou dos “governantes patifes onipresentes em todas as esferas”. Ao nos excluirmos dos problemas que são coletivos, torna-se impossível fazer parte das soluções, que deveriam ser coletivas também. Ao criarmos a ideia do Nós (os bons, os justos, os sempre corretos, os éticos, os “do bem”) versus os Outros (os maus, os injustos, os bandidos, os ignorantes) criamos inúmeros abismos, além daquele gerado e alimentado pela desigualdade social, ilhas que nos apartam, tornando-nos insensíveis ao sofrimento e à dor que nos assolam coletivamente. Vivemos tempos difíceis, em uma sociedade doente, em que muitos de nós se recusa a encarar a enfermidade e a se tratar! Para começar, “bora” tomar boas doses de bom senso e de autocrítica, minha gente!

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