X

Raquel Anderson

Na mesa do bar!

 

Há um lugar de liberdades femininas que nasce das ideias, dos inconformismos, do cansaço, das necessidades, um lugar maior que as instituições de ensino superior, um lugar maior do que as teses elaboradas durante anos de pesquisas, estudos, do que dados de violências femininas, do que boletins de ocorrência na Delegacia da Mulher, do que o cumprimento da Lei Maria da Penha, um lugar maior do que as estatísticas. Há um lugar que só nós, mulheres, sabemos e sentimos, um lugar que muitas de nós, nem percebemos, o lugar abrigado nos nossos sonhos, o lugar adormecido pelas práticas assimiladas, culturalmente, pelo machismo permissivo, arraigado, o machismo praticado por muitas mulheres quando ela vê, no seu próprio gênero, apenas competição, quando uma mulher reforça e culpabiliza a outra mulher porque só a vê como concorrente, isentando o macho de suas atitudes abusivas no dia a dia e rotulando sua semelhante de vagabunda. O homem, isentado, inocente, é assediado, o macho pode tudo.
Há um lugar de liberdades femininas, ainda que inconsciente, há um lugar, apesar da pouquíssima cumplicidade feminina, do entreguismo aos ditames machistas, há sim um lugar.
Há um lugar do desejo de poder ser o que se quer, um lugar de ser dona do próprio nariz, de querer poder pagar as contas, um lugar de poder deixar de ser refém, um lugar de planos possíveis para hoje, amanhã, para o ano que vem.
Há um lugar feminino com o desejo de não fazer porra nenhuma, há um lugar dentro de cada mulher com vontade de viajar, há um lugar gigantesco com o desejo de tocar o foda-se para as obrigações serviçais.
Há um lugar de doçuras, há um lugar de liberdades femininas que tem prazer em cozinhar, agradar, acordar às seis horas da manhã para preparar o café, há um lugar em nós que quer ser aceita, muitas querem ser perfeitas, há um lugar.
Há um lugar naquela mesa do bar onde eu dividi com nove homens, amigos meus, ontem e me senti empoderada, respeitada, fiz discurso feminista, fui admirada, bem tratada, ninguém me cantou, ninguém avançou, ninguém passou da medida, há um lugar sim, de liberdades femininas onde é possível dialogar, admirar.
Há um lugar de liberdades femininas onde o papo vai além das insatisfações com a crueldade de muitos machos, há um lugar de liberdades femininas onde a pauta é a política, a ideologia, a poesia, o acesso à cultura, os projetos, o trabalho, a economia, a sabedoria.
Há um lugar de liberdades femininas com enorme receptividade aos homens adoráveis, com desejos de beijos intermináveis, com liberdades sexuais, com respeito a homessexualidade, há esse lugar.
Há um lugar de liberdades femininas, preso dentro de cada mulher, ainda que não saibamos, há um lugar de ser, de querer, de fazer, de ter.
Há um lugar de liberdades femininas com iniciativas, ousadias e coragens, há um lugar de vibrar com a conquista e a imposição de outra mulher, há um lugar com uma força indescritível e disposição para ser bonita, para produzir-se, para ter postura, educação, para suportar a dor da depilação, não matar ninguém durante a menstruação, há um lugar.
Há um lugar de liberdades femininas fragilizado pelas inseguranças, dilacerado pelas carências, atordoado pelas aparências.
Há um lugar de liberdades femininas que precisa do conhecimento, que deveria esquecer a atitude masculina praticada no século passado, há um lugar de liberdades femininas em mim, em cada uma de nós que quer ser gente igual a todos, que quer gritar pelas oportunidades, que quer poder transar com verdadeira liberdade, há um lugar de liberdades femininas que quer deixar de ser sonho e ser realidade em mim, em nós, em todas as idades!

Deixe a sua opinião

Voltar ao topo

Logo O Pantaneiro Rodapé

Rua XV de Agosto, 339 - Bairro Alto - Aquidauana/MS

©2024 O Pantaneiro. Todos os Direitos Reservados.

Layout

Software

2
Entre em nosso grupo