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Casos da cidade

Abandonado em estação ferroviária há quase 50 anos, mecânico ainda não sabe o paradeiro dos pais

Luiz Carlos foi deixado aos 6 anos de idade no interior de SP e hoje mora em Aquidauana

Local em que a vida de Luiz Carlos teve uma reviravolta. / Museu Ferroviário Regional de Bauru/Arquivo Pessoal

Existem histórias tão improváveis que, à primeira vista, podem parecer invenção. Mas a vida de Luis Carlos (Prates ou dos Santos, já explico melhor) teve mais reviravoltas do que muitas novelas já exibidas na televisão brasileira. Aos cinco ou seis anos de idade (ele não se recorda ao certo), Luiz foi abandonado pelos pais na estação ferroviária de Araçatuba, interior de São Paulo.

Imagine a família se preparando para viajar de trem. Luiz foi informado que o destino da viagem era Campo Grande, na época ainda localizada no então Estado de Mato Grosso. O motivo era para visitar seus avós, pais de sua mãe, que ele ainda não conhecia.

“Estávamos chegando na estação. Minha mãe me deu dinheiro e disse para eu ir até um bar comprar doce, porque dentro do trem era muito caro. Quando voltei, encontrei a minha malinha ao lado de um banco. Não havia ninguém, não sei se o trem já havia partido. Só sei que ali estava apenas o guarda da estação”, contou emocionado.

Essa é uma lembrança dolorosa para Luiz Carlos. O sentimento e o fato de ter sido abandonado, marcaram profundamente a vida do mecânico e cuteleiro, que atualmente mora e constituiu família em Aquidauana. Ele acredita que hoje tem 54 anos de idade. Desde o episódio da estação, em meados da década de 70, Luiz conseguiu sobreviver nas ruas, com sua infância roubada, até se tornar um adulto.

“Eu peguei a minha malinha e fui para a praça de Araçatuba. Ali eu dormi a primeira noite. Havia outro guarda na praça, acredito que hoje deve estar morto. Ele foi um anjo, me ajudava, me cobria e arrumava o banco para eu dormir. Logo depois me encaminharam ao abrigo público da cidade, apenas para dormir. No outro dia cedo, eu tinha que sair e ia procurar meus pais na cidade. Um casal moreno meio que me adotou para que pudesse passar a noite no abrigo, já que crianças não podiam entrar lá se não estivessem acompanhadas dos pais”, relembrou.

Ser criança de rua

Durante um ano, Luiz Carlos perambulou pelas ruas em busca de sua família. Por causa da tenra idade, não lembrava onde ficava a casa em que morava com os pais. Enquanto isso, sobrevivia pedindo comida em bares, lanchonetes e nas casas. De porta em porta, ora passando fome, ora sendo alimentado com o que lhe davam, o mecânico conheceu uma pessoa que lhe tiraria das ruas.

“Um dia, à tarde, estava deitado no banco da Igreja Matriz da cidade, queimando de febre. Eu vi uma mulher, que estava na missa, sair da igreja e fui atrás. Sentei na frente da casa dela. E foi quando a dona Inês, mãe dela, me viu e mandou que entrasse. Lá, as empregadas me deram banho, remédios e trocaram a minha roupa.

Dona Inês era sogra do pecuarista Nelson Scaff, de Aquidauana. A mãe de Nelson, Ângela, era benemérita da Igreja Católica e conseguiu uma vaga em um seminário na capital paulista, o Instituto Meninos de São Judas Tadeu. “Eu fiquei dos 7 aos 14 anos no seminário. Mas não tinha vocação para ser padre, por isso pedi para sair. Foi quando vim para Aquidauana, para trabalhar na fazenda do seu Nelson Scaff. Saí durante 1 ano e 6 meses para servir o Exército, depois voltei para a fazenda. Em 1990, eu retornei para a cidade de Aquidauana e desde então trabalho como mecânico e com cutelaria.”

Luiz Carlos sobreviveu às ruas, foi resgatado e auxiliado pela família Scaff, entretanto, nunca foi adotado. Ainda em Birigui, o menino foi levado ao cartório da cidade para fazer seu registro de nascimento.

Consta no documento que Luiz (em sua lembrança, Prates, suposto sobrenome do pai), agora passa a ser dos Santos. Maria Aparecida dos Santos, e Antônio José dos Santos, nomes fictícios no registro, constam como seus pais já falecidos. “Naquela época não havia Conselho Tutelar. Qualquer um podia pegar uma criança na rua e registrar o nome que quisesse e ficava por aquilo mesmo.”

Lembrança dos pais

Pergunto a Luiz quais são as lembranças que ele tem antes de ser abandonado na estação. Aos poucas que restam são de uma casa de madeira que morou com os pais na cidade de Buritama, próxima ao rio Tietê e perto de Birigui, interior de São Paulo.

“Minha mãe se chamava Creuza Gasparini e meu pai Cícero Prates. Eu lembro que meu pai trabalhava cuidando de barcos no rio, era tudo muito simples. Eles trabalharam também em uma lavoura de tomate em Birigui. Me recordo que meu pai foi barqueiro salva-vidas, um dos melhores da região e resgatava corpos afogados no rio depois das tempestades, porque não havia Corpo de Bombeiros ali naquela época”, relatou.

Desencontros

Em São Paulo, ainda no seminário, Luiz conheceu uma senhora que trabalhava no Sesi e era de Araçatuba. Assim que pegou confiança, contou sua história de vida a ela, já que prestava serviço na escola onde estava na capital paulista.

“Disse a ela que minha mãe era morena, alta, tinha cabelos compridos e fumava. Meu pai era baixinho, usava chapéu e era branco. Sei que minha mãe era daqui do estado e o meu pai eu não sei. Ele mancava de um lado de uma perna e gostava de beber”, descreveu.

Ela então disse a Luiz: “sua mãe mora ao lado da minha casa em Araçatuba”. Os sonhos e a expectativa de reencontrar os pais mais uma vez reacenderam no coração de Luiz. Ele escreveu uma carta à mãe, dizendo que estava vivo e que queria revê-la. Mas aquelas coincidências infelizes impediram que Luiz pudesse saber se a mulher era mesmo a sua mãe de verdade.

“Essa senhora entrou em contato comigo depois que voltou de Araçatuba e disse que a minha mãe tinha mudado de lá. Aquilo me chateou demais. E continuei seguindo a minha vida.”

Outra situação foi quando Luiz soube de uma empresária, dona de uma butique em Araçatuba, que teria o mesmo sobrenome de sua mãe: Gasparini. Com o número do telefone em mãos, ele entrou em contato para saber se havia alguma ligação com sua história. “Ela me atendeu muito bem. Mas disse que não sabia sobre parente algum desaparecido, que iria perguntar à família dela. Falou que entraria em contato comigo. Tempos depois, eu liguei novamente, mas ela não me atendeu, Aí larguei mão, não quis incomodar novamente.”

Entender o porquê

Luiz Carlos formou uma grande família. Casado há 19 anos, ele já teve outros dois relacionamentos anteriores que resultaram em 6 filhos: 3 meninos e 3 meninas, hoje adolescentes e adultos. Todos estudaram e uma das filhas, inclusive, já obteve o diploma universitário.

Para Luiz, sobrevivente de uma história improvável de vida, há períodos de desânimo e outros de esperança de reencontrar seus pais. “Só queria entender, saber o motivo que fizeram isso”, diz com a consciência do adulto digno que se tornou, mas ainda com o sentimento da criança ferida na alma, abandonada naquela estação de trem, aos seis anos de idade.

Quem tiver informações sobre o possível paradeiro de Creuza Gasparini e Cícero Prates, entre em contato com a nossa redação.

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