Janir conseguiu um feito singular: valorizar a cultura terena através do empreendedorismo social
Mulheres indígenas em ação: produção a todo vapor das biojóias / Luiz Guido
A história se assemelha a um conto de fadas, entretanto o protagonista, no caso, a protagonista, é uma mulher descendente de indígenas que, através de um projeto social voltado à geração de renda na região de entrada do Pantanal, tem resgatado a dignidade, a cidadania e a cultura das mulheres terena da aldeia Tico Lipú, constituída por 68 famílias, localizada em Aquidauana.
Janir Gonçalves Leite, 52 anos, filha de um típico pantaneiro e de uma índia, é administradora de empresas, atualmente funcionária pública da Prefeitura Municipal de Aquidauana. Formada em São Paulo, já trabalhou pela Organização das Nações Unidas em diversas localidades do Brasil, mas em 2012 voltou para sua comunidade em Mato Grosso do Sul a fim de cuidar de seus pais. Ao se deparar com as necessidades básicas e a extrema carência de recursos da localidade, Janir decidiu implementar o projeto das biojóias, feitas pelas índias com sementes, palhas, penas, entre outros insumos locais, bem como constituiu uma horta comunitária para fomentar a geração de renda da comunidade.
“A ideia é trabalhar no sentido de melhorar a qualidade de vida dessas comunidades tradicionais, em direção ao desenvolvimento social e sustentável dessas famílias. Um projeto pequenininho como esse parece não ter tanta importância, mas para a comunidade, que progride e ganha projeção, somado a outros projetos pequenos como esse em todo o território nacional, é possível mudar a realidade do país”, assegurou a voluntária com a convicção de quem está no caminho certo.
Tico Lipú
Cacique há 8 anos, Francisco Gomes Lipú, conhecido nas redondezas por Tico Lipú, de nome homônimo ao de sua aldeia, conta que Janir mudou a vida das mulheres pertencentes à comunidade através do seu trabalho voluntário e do amplo conhecimento que possui sobre geração de renda. “Ela fez com que a gente conseguisse os nossos direitos sociais. Através dela, nós achamos uma maneira de resgatar a nossa dignidade. Como é muito capacitada, percebemos a diferença na melhoria da nossa vida, desde quando ela passou a frequentar a comunidade”, relatou, emocionado.
Ora sob condições totalmente insalubres, a aldeia já evoluiu em muitos aspectos, mas, conforme Janir, o trabalho não pode parar, visto que ainda há muito o que desenvolver. “A comunidade até então é desprovida de rede elétrica e há apenas um bico de energia para atender às 68 famílias. Além disso, ainda há problemas com abastecimento de água e questões como manejo da terra, moradia e segurança alimentar também devem ser revistas e melhoradas”, explica.
Coletivo de Mulheres Indígenas Artesãs Terena
Voltado à organização das mulheres indígenas para a produção de biojóias, Janir ressalta que as mulheres já tomaram o projeto para si. “Elas estão tocando a produção sozinhas. Hoje eu não preciso estar aqui todos os dias, porque elas se apropriaram do projeto. A geração de renda se dá por meio da venda das peças que elas produzem. São adereços que destacam a cultura terena, com uso de sementes naturais que elas mesmas coletam e o fazem com muito cuidado. Depois tratam as sementes flamboyant, saboneteira, lágrimas de Nossa Senhora, entre os vários tipos que existem na região.”
Fernanda Albuquerque da Silva, 34 anos, é uma índia da comunidade que passou a coordenadora do projeto das biojóias criado por Janir. Para ela, a renda obtida pela venda dos produtos é uma conquista inestimável. “Como é bom ter o nosso próprio dinheiro. Usamos em casa, para pagar contas, comprar uma mistura... Agora a gente não depende só do marido”, relata com satisfação.
Sobre o processo criativo das biojóias, Fernanda diz que, ao fazer um colar feminino, por exemplo, a empreendedora/artesã leva em conta o seu gosto pessoal. “Crio as biojóias como se fossem para mim porque, dessa forma, sei que a cliente também vai gostar. Se for para os homens, usamos bastante as sementes de jatobá. Atualmente vendemos em eventos da região, e duas vezes ao mês vamos à feirinha da Estação de Aquidauana. Os produtos têm preço diferenciado: os colares custam 15 reais em média. Se o brinco tiver uma pena rara, custa 10 reais. Com pena de galinha é 5 e as pulseiras, 10 reais“, descreve animada.
Reconhecimento nacional
Janir era, até o momento, uma ilustre desconhecida da mídia sul-mato-grossense, entretanto, já teve os frutos de seu trabalho publicados nos sites da ONU Brasil, agência de notícias do Palácio do Planalto, além da Isto É e revista Cláudia.
Em 2017, a voluntária foi premiada nacionalmente como Consultora Natura Inspiradora. A empresa de cosméticos deu visibilidade ao trabalho de Janir. Hoje, ela está entre as finalistas da 23ª edição do Prêmio Cláudia, que busca valorizar histórias memoráveis de mulheres excepcionais e atuantes na sociedade brasileira. O resultado será divulgado no próximo dia 12 de outubro, após o encerramento da votação popular.
Frente ao extraordinário trabalho promovido junto à aldeia indígena, na última terça-feira (28) durante evento em alusão ao Dia Nacional do Voluntariado, Janir recebeu das mãos do presidente Michel Temer e da primeira-dama, Marcela Temer, o prêmio “Líder Voluntário”, no Palácio do Planalto. Foram inscritos 296 projetos de organizações e pessoas voluntárias. Na categoria, venceu a aquidauanense com o Coletivo de Mulheres Indígenas Artesãs Terena e Bruno Costa Lopes de Carvalho, do projeto Curumin Cultural, de Samambaia, Distrito Federal.
O projeto da voluntária também vai de encontro aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 mediante acordo firmado pelo governo federal junto aos demais 192 Estados Membros das Nações Unidas em todo o planeta. “O Brasil é signatário dessa convenção internacional e o meu projeto está em direção às ODS: protagonismo feminino, evolução da educação, valorização do trabalho, geração de renda, que tem tudo a ver com o que desenvolvemos aqui na comunidade”, destacou.
E a história continua
Agora, os próximos passos de Janir Gonçalves Leite estão direcionados a um novo projeto de contação de histórias no intuito de fortalecer a cultura terena junto às cerca de 70 crianças e jovens pertencentes à aldeia. O propósito, dessa vez, é enaltecer a tradição para que a cultura local indígena não seja subjugada, esquecida, tampouco deteriorada em meio às futuras gerações.
“O nosso povo é muito excluído. Aqui ninguém está perto do índio. Mas comprovamos que as conquistas e os impactos causados pelo projeto nessa comunidade são extraordinários. É uma ação voluntária minha, pessoal. Não tenho recursos, não tenho dinheiro. Eu consigo um apoio aqui, outro ali, meu marido me apoia, os amigos e a família também. O objeto te capacita. Quando você partilha, o outro muitas vezes tem mais a ensinar do que você”, finaliza Janir com a humildade e a grandeza de uma mulher indígena que se dedica a recuperar a integridade de outras mulheres indígenas.
*Colaborou Luiz Guido Jr.
*Vídeo Yuri Marinho
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