Homem que morreu em queda de quadriciclo tinha Piraputanga como seu "quintal"
"Quando a gente perde alguém é que a gente realmente para pra pensar. Hoje eu vejo que meu pai foi um herói extraordinário para mim. Me apego e tenho muito orgulho disso".
Às vezes, é difícil a gente compreender os caminhos da vida. Como o pai que, em mais de meio século de existência, foi obrigado a se despedir do mundo após um acidente que o próprio filho confirma: "poderia ter sido evitado". Porém, acabou que tudo se converteu para ali, naquele momento em que caiu de cima do quadriciclo em direção ao chão, isso de uma altura de 4 metros em ponte no distrito vizinho à Aquidauana.
Por mais que a tragédia da morte de Ramão Heitor Cristaldo seja um fato, não é o "fim" que o filho Ronny da Silva Cristaldo, 38 anos, gostaria que ficasse marcado.
Em vez da dor, prefere compartilhar os "meios": a de um pai e avô brincalhão, aventureiro, de alma "boa", trabalhador desde sempre, pantaneiro de coração, corintiano roxo e um apaixonado pela netinha de 1 ano e três meses.
Entre as alegrias das várias histórias do seu "velho", a compreensão de que, em 64 anos de vida, Ramão fez o melhor que pôde fazer – e se despediu em paz.
"Meu pai se foi, mas ficou o seu dever cumprido. O que me conforta também é saber que ele também testemunhou a minha própria transformação, a qual um filho é capaz de ter. E nela envolve a Lorena, minha filha, o grude do avô 'coruja'", detalha Ronny.
Mestre de obras aposentado, o filho conta que seu pai sempre foi um cara bastante trabalhador. Tanto é que, ao curtir a boa fase da vida, construiu tijolo por tijolo o rancho da família em Piraputanga. Sistemático e sem preguiça para pôr a mão na obra – literalmente –, fez o endereço rural virar seu "quintal" particular e "oásis" para a família toda. A cada 15 dias, viajava para o destino.
"Meu pai era de uma família campo-grandense bem humilde. Cresceu ba roça, em uma fazenda na saída para Sidrolândia, onde hoje fica um hospital. Ele fazia trabalho braçal, andava à cavalo, criava bicho… já tinha estilo um 'pantaneiro' de ser. Inclusive, ele nunca escondeu isso. Tinha orgulho da sua trajetória", relata.
Mal Ramão se aposentou e veio a pandemia de Covid-19. O filho explica que o pai já tinha a ideia de comprar um terreno e montar um sítio no local.
"Dizia que iria me ensinar a vida simples… e assim o fez".
Em quase 2 anos, o cantinho se firmou e ganhou o sobrenome da família: Rancho Cristaldo. Dos cômodos à piscina, do jardim à criação rural, tudo estava sendo organizado conforme o jeitinho que o patriarca tanto queria.
"Agora que ele se foi, não nego ter cogitado acabar com tudo e virar a página. Porém, sinto que ele vai ficar mais feliz ainda vendo, do cantinho do céu, a sua história tendo continuidade. Mesmo que eu, minha mãe e minha irmã estejamos todos com o coração partido, não podemos parar. É a sua herança", considera.
O acidente – Ronny ainda não tem todas as respostas sobre a circunstância da fatalidade, até porque seu pai já havia confidenciado ter "medo" de usar o veículo em questão.
Mas foi em cima do quadriciclo que Ramão cruzou a ponte em direção a uma fazenda vizinha. Da tábua que se quebrou, o patriarca perdeu a direção e foi parar 4 metros abaixo. Por estar sem capacete – o que poderia ter minimizado a queda –, teve politraumatismo e hemorragia interna. Ao ser atendido pelos bombeiros e levado às pressas para o Hospital Regional de Aquidauana, ele ainda sobreviveu.
"Depois do acontecido, eu consegui estar presencialmente com ele no quarto. Consciente, ficamos conversando cerca de 2 horas. Aquela foi a nossa despedida. Ele já sabia que não iria aguentar mais e me revelou. Falei: 'pai, eu vim aqui para buscar o senhor. Mas se tem uma coisa que você mesmo me ensinou é que existe um único Deus misericordioso. Acredita nele. Se tiver que ir com ele, vá em paz'. Aquilo me sustenta", diz.
Ainda com vida, Ramão foi transportado de ambulância para Campo Grande. Até então seu quadro era estável. Porém, à 00h05 de quinta-feira (16), a morte foi confirmada.
"Estava no carro logo atrás. Quando o veículo à frente encostou, já imaginei o pior. Sai do carro e vi de vislumbre meu pai sofrendo a parada cardíaca. Foi um momento em que tive que ter sangue frio e muita paciência para continuar", recorda.
"Assim que eu tiver força, eu ainda vou passar no local do acidente… quem sabe, ali, naquela ponte, em meio a natureza, eu possa conversar mais uma vez com meu herói, com o meu amigão".
É a lembrança que o filho guarda do seu Ramão. Para os amigos e torcedores fanáticos, o "tiozinho da fiel". Já para a esposa Nilda, o homem que a fez feliz durante quase 45 anos. Para as outras duas mulheres de sua vida, a filha Tathiane e a netinha Lorena, tão pai e tão avô – sempre será.
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