Vivemos nas últimas semanas mais um período de eleições em nosso país, desta vez em nível municipal (prefeitos e vereadores), e parece não termos aprendido, ainda, lições valiosas... A primeira – e penso/ sinto que seja a mais importante – é que precisamos romper a ideia/ o sentimento de que “política” se faz somente a cada dois/ quatro anos... Não, não adianta olharmos para o quadro dos (re)eleitos e nos xingarmos mutuamente, como se estivéssemos diante de uma partida de futebol ou coisa que o valha. De um lado e de outro, vitórias/ derrotas serão contabilizadas/ enaltecidas/ minimizadas, maximizadas, de acordo com os interesses daqueles que saíram vencedores/ perdedores das urnas! Vejo/ Ouço amapaenses, por exemplo, exaltando as vitórias de determinados candidatos alhures e fico imaginando o que “brotará” das eleições no próximo dia 06 de dezembro, na capital Macapá (por lá houve adiamento do pleito, em virtude do apagão). Embora possa ser chamado de “isentão” (o equivalente nos tempos de hoje àquele que fica “em cima do muro” de tempos pretéritos) por alguns, ouso dizer que, para além de minhas preferências eleitorais pessoais, cabe a mim, como professor de História que sou, reflexões que nos ajudem a compreender algumas características de nossa sociedade, em que pesem as enormes diferenças entre as regiões do país. Em primeiro lugar, somos acometidos de um “sebastianismo” herdado dos portugueses e que nos acompanha desde os tempos coloniais. A ideia-sentimento de que existam “salvadores da pátria”, aqueles que personificariam o próprio “D. Sebastião”, que nos salvarão de todos os problemas, das mazelas nas quais estamos metidos há tempos, ainda é muito forte em diferentes grotões brasileiros. Aliado a isso, não nos esqueçamos de que o controle político/ econômico em muitos Estados brasileiros ainda se encontra nas mãos de famílias que há anos estão instaladas no poder e que reproduzem modelos de patriarcado, de coronelismo (moderno/ sofisticado, em alguns casos) e de clientelismo. Infelizmente, tem sido assim desde os tempos das capitanias hereditárias (o adjetivo é autoexplicativo). Em segundo lugar, ainda alimentamos ideias equivocadas sobre comunismo/ socialismo/ capitalismo/ fascismo e outros “ismos”, o que demonstra, dentre outros problemas críticos, que a Escola não tem dado conta de ensinar lições básicas a respeito de como as sociedades se organizam/ organizaram ao longo do tempo, limitando-se, muitas vezes, a corroborar uma espécie de “vitória incontestável” do capitalismo contemporâneo frente a qualquer outra maneira de se organizar os mundos existentes no planeta! Um terceiro (e último, porém não menos importante) ponto a ser levado em consideração é que basta haver eleições para nos insurgirmos uns contra os outros, sempre puxando a “sardinha para a nossa brasa”. Em outras palavras, se os resultados me agradam posso tecer inúmeros elogios aos eleitores, que afinal se mostraram inteligentes, perspicazes e “avançados”! Se o contrário ocorre (ah, e ele sempre ocorre em “Pindorama”), os (quase) mesmos eleitores passam a ser “burros”, “jumentos”, “asnos”, “antas” e outros nomes menos auspiciosos... Voltando à ideia inicial do texto, bateremos “muita cabeça” se continuarmos a apostar que política se faça somente em períodos eleitorais/ eleitoreiros... Não desejo a sociedade que aí está – desigual, injusta, excludente, racista, machista, homofóbica, misógina, etc. –, mas, se desejo mudanças, preciso combater firmemente as ideias-sentimentos arraigadas nas mentes e nos corações de brasileiros e que precisam ser “escancaradas”, “colocadas na mesa”, discutidas/ debatidas, refletidas e superadas. Não há “salvadores da pátria” ou “super-heróis”, mesmo que você queira muito acreditar nisso! O poder não pode/ deve estar nas mãos das mesmas famílias por tanto tempo (e em alguns casos ininterruptamente), o que só faz aumentar as desigualdades e a concentração de privilégios nas mãos de pouquíssimos! A Escola precisa urgentemente rever seu papel na propagação de ideias equivocadas, de conformismos, de preconceitos/ estigmas/ discriminações/ estereótipos de toda ordem. Encerro o texto desta semana, o primeiro em mais de um mês que escrevo para a coluna Histórias de admirar, lembrando aos meus (poucos) leitores que as mudanças necessárias não ocorrem magicamente e sem um esforço coletivo/ solidário/ cooperativo/ combativo e inclusivo. A sociedade brasileira construída com (dentre outros perversos ingredientes) mais de 300 anos de escravidão – de africanos e seus descendentes e de indígenas – nos deixou uma herança pesada e obsoleta. Nos livrarmos desse legado mal dito/ maldito, para caminharmos autonomamente – livres, emancipados e leves –, é tarefa de todos (ou quase todos, lembrando que haverá aqueles que desejam o mundo tal como ele se encontra) e que se faz urgente!