Ter acesso a um tratamento adequado de água e a uma rede de esgoto deveria ser a realidade de toda a população mundial. O saneamento básico é um direito humano basilar e deve ser assegurado da mesma forma que o é a saúde, o trabalho, a educação, o transporte, o lazer, a segurança e outros, haja vista que todos eles se vinculam na mesma intensidade.
Desde 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece, formalmente, o direito ao saneamento básico como direito humano. Na Assembleia Geral da ONU de 2010, a organização declarou que o acesso à água potável segura e limpa e ao saneamento básico é direito humano essencial para o pleno gozo da vida. Ademais, esse direito está diretamente vinculado ao gozo de uma saúde física e mental, bem como à dignidade da pessoa humana.
Apesar de todos os esforços das organizações internacionais em clamar pela atuação dos Estados na concretização de um saneamento básico para a população, o tratamento adequado de água e de esgoto não é a realidade em grande parte do mundo. Segundo o relatório de 2019 da Organização Mundial da Saúde (OMS) em conjunto com a UNICEF, apenas 45% da população mundial tem acesso a saneamento básico seguro. A pesquisa pontuou que, em 2017, 7 em cada 10 pessoas tiveram acesso a serviços de água potável com segurança e apenas 4 em cada 10 pessoas tiveram acesso a saneamento básico gerenciado com segurança. Como se percebe, o acesso à água tratada e a uma rede de esgoto não é a realidade da maioria da população mundial.
No Brasil, segundo dados oficiais do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em 2018, 83,6% da população era atendida com rede de água e apenas 53,2% tinha acesso à rede de esgoto. Do total de esgoto gerado nesse período, menos da metade foi tratado (apenas 46,3%). O que se percebe é que, apesar das propagandas e promessas políticas, pouco se avançou em relação à promoção desse direito humano.
Com o fim de universalizar e qualificar a prestação de serviços no que tange ao saneamento básico, em 15 de julho de 2020, foi promulgada o novo marco legal dessa temática – Lei nº 14.026. Considerando que, atualmente, no país, 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e mais de 100 milhões não contam com serviço de coleta de esgoto, a meta do governo federal, com essa legislação, é alcançar a universalização desse direito até 2033. A intenção é que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e a coleta de esgoto. Diante dos dados demonstrados, percebe-se que se trata de um grande desafio, haja vista que temos um país de dimensões continentais e com realidades díspares em cada região.
Seguindo a linha de país continental com baixo nível de acesso ao saneamento básico temos a Índia, conhecida pela precariedade de acesso à água tratada e à rede de esgoto. No país, a população tem o hábito cultural de defecar nas ruas, atitude que gera mais impactos negativos à saúde da população do que o odor fétido da cidade em si.
Aproximadamente 594 milhões de pessoas (48% da população indiana) tem o hábito de defecar em céu aberto. Segundo a UNICEF, isso equivale, em média, a 65 milhões de quilos de fezes por dia na cidade (sim, leitor, você leu corretamente – 65 milhões de quilos). Com o fim de educar a população a utilizar os sanitários, o governo indiano iniciou a campanha “Take Poo to the Loo” (leve o cocô ao banheiro).
Esse descontrole sanitário reflete diretamente na saúde da população: a defecação ao ar livre aumenta o risco de contaminação por bactérias, vírus e amebas, podendo causar diarreia em crianças e adultos. Crianças enfraquecidas por episódios frequentes de diarreia são mais vulneráveis à desnutrição, nanismo e infecções, como a pneumonia.
O direito humano ao saneamento básico vai além de água tratada e rede de esgoto. Ele abrange também o direito à saúde e correlatos. Como se vê, infelizmente, o acesso à essas medidas sanitárias não é uma realidade abrangente. Assim, questiona-se: o acesso ao saneamento básico seria um privilégio daqueles que o possuem ou uma realidade distante daqueles que não sabem o que é ter água tratada e rede de esgoto? A resposta, caros leitores, é algo que vale a pena refletir.