Ao tirar a camiseta na praia, Carlos ouviu um grupo gritar "Go Willy" reproduzindo uma fala do filme que conta a história de uma baleia
Arquivo pessoal
Carlos Nascimento, de 31 anos, que passava o dia em uma praia do Guarujá em São Paulo, viveu uma situação nesta sexta-feira (4) que consideraria constrangedora, caso ele não estivesse muito satisfeito com seu corpo:
"Eu fui com a minha namorada para a praia, e quando resolvi entrar no mar e tirei a camiseta, escutei os caras ao lado da nossa barraca gritarem 'Go Willy', reproduzindo uma fala do filme que conta a história de uma baleia. Na hora eu parei, pensei muitas vezes se deveria ou não falar alguma coisa, questionar, e resolvi que não. Simplesmente me empoderei ainda mais, entrei no mar e me diverti como ninguém", relata.
"Quando ouvi o comentário, me senti muito mal, fiquei pensando no que eu tinha feito para eles me tratarem daquela maneira. Isso passou pela minha cabeça durante alguns segundos. Entender que aquele mal estar não me pertencia fez com que eu erguesse a cabeça e fizesse exatamente o que tinha vontade, que era entrar no mar", conta.
Carlos relatou o caso no facebook, e a postagem recebeu diversos comentários de pessoas contando experiências semelhantes. "A Gordofobia, termo usado para designar a repulsa a pessoas gordas, acontece o tempo todo, mas ela é ainda mais absurda e aparente no verão, porque é quando você se despe. A roupa para o gordo é como uma armadura, você acaba se escondendo, e quando está calor, seu corpo vai ficar à mostra".
Ele conta que esse tipo de comentário não só ofende, mas encontra reflexo em um sentimento muito mais profundo e delicado: Uma pessoa acima do peso leva muito tempo para amar-se como é.
"A aceitação do corpo não é assim tão fácil, eu era muito massacrado com comentários e outras situações por conta do meu corpo, e só fui entender isso há poucos anos. Me incomodava, pensava muito na opinião dos outros. Quando fiquei mais maduro entendi que a opinião das pessoas sobre mim é um problema delas. Hoje sou extremamente feliz com o corpo que tenho, aprendi a me amar acima de tudo".
As diversas manifestações de gordofobia
Para Carlos, que hoje mora em São Paulo, a principal sensação diante de uma manifestação de gordofobia é de incompreensão. "Não entendo por que meu corpo incomoda tanto, por quê chega a motivar um comentário. A gordofobia se manifesta especialmente pela pessoa que aponta. Se alguém se incomoda com meu corpo em um espaço público, é porque algo falta na vida dela, um propósito, ou a simples noção de importar-se mais consigo do que com os outros".
"A Gordofobia machuca. É como um crime e precisa sim ser evitada. Se piadas ofensivas contra outras minorias são evitadas porque configuram crime, porque vão ofender e destruir os sentimentos de alguém, as piadas contra gordos também precisar ser coibidas."
Ana Paula Ostapenko, de 36 anos, de Dourados (MS), também conhece a gordofobia - e afirma que nos últimos tempos o preconceito ganhou novas nuances. "As pessoas estão colocando a gente em uma tabela do quão gordo é possível ser para que não agrida os outros, o que seria o corpo gordo aceitável e o que não seria. As pessoas olham para mim e dizem 'Ah, mas você não é tão gordinha' como se isso fosse uma coisa positiva. Um corpo gordo é um corpo gordo, é o meu corpo, é um corpo lindo e pronto".
"O verão definitivamente é a pior estação para os gordos, porque muitas pessoas tendem a cobrir seus corpos e sofrem com o calor por conta de uma pressão estética que fica ali rondando. Prova disso são as famigeradas resoluções de ano novo: 'ser fitness' e 'emagrecer' está em pelo menos 9 entre 10 dessas promessas", declara Ana Paula.Tanto para Carlos, quanto para Ana, a gordofobia se manifesta de uma outra maneira, muito menos agressiva mas não menos difícil: "Para a mulher gorda a dificuldade começa na hora de se vestir. Me diga uma loja que não seja específica de moda Plus Size em que você encontra a roupa bonita de tamanho GG ou EG? Não encontra. A roupa do gordo é sempre 'especial'", conta Ana.
"As confecções querem o dinheiro do gordo, mas a arara com as roupas do gordo está lá no fundo. Ainda chamam a roupa do gordo de 'tamanhos especiais' e isso está errado. Tudo é tamanho. Ser gordo é normal, é esse entendimento que precisa ficar mais claro para todo mundo", declara Carlos.
Além das pessoas que comentam em voz alta, existem as que nada dizem mas expressam seu procenceito de outras formas: "Basta um olhar. O olhar que o gordo recebe quando está feliz comendo seu sanduíche, diz muito".
"Amar-se acima de qualquer opinião"
Para Carlos, a melhor maneira de lidar com a gordofobia é tendo a certeza de que não há nada errado com seu corpo: "As pessoas gordas devem simplesmente amar os seus corpos. Para a pessoa gorda que vai para a praia, ou uma piscina, um rio, qualquer lugar que você precise se despir, e não consegue aproveitar por medo de ouvir piadas do tipo, eu ofereço meu exemplo: com um calor desses, nós temos o direito de nos refrescar e curtir em paz, felizes, onde for".
Ana Paula lembra ainda que o corpo gordo nem sempre é sinal de má saúde: "Meus exames estão todos em dia, diabetes controlada, colesterol controlado, e não visto um manequim 40. Eu amo meu corpo, meu corpo é lindo, não tenho que ficar eternamente em dieta para ser aceita".
Carlos e Ana acreditam que combater esse tipo de comportamento é um processo lento. "Eu sempre fui gordo, minha história foi construída dentro de um corpo gordo, vejo isso há anos e nada mudou, ainda são as mesmas piadas dos anos 90. A diferença é que hoje elas batem em autoestimas elevadas e gordos empoderados. Já é um grande começo", conta Carlos.
Ana acredita que a principal lição que uma vítima de gordofobia pode dividir, é sobre amor próprio: "A gordofobia é uma coisa cansativa, mas nos lembra da necessidade do amor próprio inclusive como forma de proteção, e de combate a uma prática que muda de cara, mas ainda está longe de, realmente, acabar", finaliza.
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