Quinze anos após o impeachment do ex-presidente e atual senador por Alagoas Fernando Collor (PTB), 58, um pedaço da memória do episódio permanece inacessível a historiadores, pesquisadores e arquivistas.
Collor negou a equipes do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, ligado à Casa Civil da Presidência da República, a possibilidade de catalogação e avaliação das condições dos arquivos que ele levou da Presidência ao deixar o cargo, na manhã do dia 2 de outubro de 1992.
Por lei, os ex-presidentes podem levar consigo os documentos, bilhetes, fitas gravadas, cartas enviadas e recebidas, certos tipos de presentes e outros papéis que acumularam durante o exercício da Presidência.
São arquivos considerados "privados de interesse público", e a possibilidade de abri-los à consulta pública depende da disposição dos ex-presidentes.
Entre 2001 e 2002, os técnicos do Arquivo Nacional fizeram levantamento de todos os acervos em poder de ex-presidentes ou familiares. Segundo eles, o interesse não era o conteúdo, mas queriam apenas catalogar as peças. A idéia era alimentar um site, o CIAPR (Centro de Informação de Acervos dos Presidentes da República).
Collor foi o único ex-presidente pós-ditadura militar (1964-1985) a negar o acesso. "Há um interesse histórico claro. Mas não existe um poder de polícia que o obrigue a franquear seus arquivos. Queríamos saber apenas onde está [o acervo] e o que existe de fato", disse a técnica do Arquivo Nacional Beatriz Moreira Monteiro, responsável pela manutenção do sistema do CIAPR.
José Sarney (PMDB-AP), Itamar Franco (PMDB-MG) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) organizaram ou estão organizando seus materiais para liberar à consulta pública pelo menos parte do acervo.
Os técnicos do Arquivo dizem ter feito contatos com um assessor de Collor, que teria dito que os arquivos estavam em Brasília. Os técnicos chegaram a viajar para lá, mas dizem que, após promessas, não conseguiram acesso aos documentos. A Folha tentou, nos últimos dez dias, falar com Collor, mas não obteve sucesso. Sua assessoria no Senado disse que ele estava incomunicável em Alagoas.
Sobre a dúvida do que os arquivos guardariam, Collor chegou a escrever e divulgar num site da internet o que seria o primeiro capítulo de um livro de memórias intitulado "Crônica de um Golpe". Mas não esclareceu se usara, para o livro, seus arquivos da época da Presidência.
O ex-porta-voz de Collor, Claudio Humberto, disse lembrar-se de reuniões quase diárias de Collor com órgãos de assessoramento direto, como Secretaria Geral da Presidência, Casa Militar e SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos).
"Se algum desses assessores anotava o que era discutido nessas reuniões, eu não sei dizer", afirmou Humberto. Ele também recorda-se que os encontros com chefes de Estado estrangeiros eram documentados por pessoas do Itamaraty.
"O acervo mais importante que eu sei que ele guardava eram programas de rádio e TV, entrevistas, muitas fitas de vídeo, que foram exibidas publicamente na época, fitas de campanha eleitoral. Havia também muitas cartas e presentes recebidos", afirmou o jornalista Claudio Humberto.
Segundo ele, o material ia sendo guardado num imóvel localizado em frente à Casa da Dinda, em Brasília.
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